Proporção relativa dos espíritas
Estatística do Espiritismo
Como já dissemos, a enumeração exata dos espíritas seria coi aderentes não estão inscritos em nenhum registro oficial. Sabe-se perfeitamente que não se poderia avaliar o montante pelo número e a importância das sociedades, freqüentadas apenas por minoria ínfima. O Espiritismo é uma opinião que não exige nenhuma profissão de fé, e pode estender-se ao todo ou parte dos princípios da Doutrina. Basta simpatizar com a idéia para ser espírita. Ora,não sendo essa qualidade conferida por nenhum ato material, e nãoimplicando senão obrigações morais, não existe qualquer base física para determinar o número dos adeptos com precisão. Não se opode estimar senão de maneira aproximativa, pelas relações e pela maior ou menor facilidade com que a idéia se propaga. Esse número aumenta diariamente em proporção considerável: é um fato positivo, reconhecido pelos próprios adversários; a oposição diminui, prova evidente de que a idéia encontra, cada vez mais,numerosas simpatias.

Aliás, compreende-se que é pelo conjunto e não pela situação das localidades, consideradas isoladamente, que se pode basear uma apreciação; há em cada localidade elementos mais ou menos favoráveis, em razão do estado particular dos espíritos e também das resistências mais ou menos influentes que aí se exercem; mas essa situação é variável, porque tal localidade, que se tenha mostrado refratária durante vários anos, de repente se torna um foco. Quando os elementos de apreciação tiverem adquirido mais precisão, será possível fazer um mapa colorido em relação à difusão das idéias espíritas, como foi feito para a instrução. Enquanto isso, pode-se afirmar, sem exagero, que, em suma, o número dos adeptos centuplicou em dez anos, a despeito das manobras empregadas para abafar a idéia e contrariamente às previsões de todos os que se vangloriavam de a ter enterrado. Isto é um fato comprovado, devendo os antagonistas tomar o seu partido.

Só falamos aqui dos que aceitam o Espiritismo com conhecimento de causa, depois de o haver estudado, e não dos que, embora mais numerosos, estas idéias ainda estão em estado de intuição, faltando-lhes apenas definir suas crenças com mais precisão e dar-lhes um nome, para serem espíritas confessos. É um fato bem comprovado, que se constata todos os dias, sobretudo de algum tempo para cá, que as idéias espíritas parecem inatas numa porção de indivíduos, que jamais ouviram falar do Espiritismo; não se pode dizer que tenham sofrido uma influência qualquer, nem que sofreram a influência de um círculo. Que os adversários expliquem, se puderem, esses pensamentos que nascem fora e à margem do Espiritismo! Por certo não seria um sistema preconcebido no cérebro de um homem que teria produzido tal resultado; não há prova mais evidente de que essas idéias estão na Natureza, nem melhor garantia de sua vulgarização no futuro e de sua perpetuidade. Deste ponto de vista pode-se dizer que pelo menos três quartos da população de todos os países possuem o germe das crenças espíritas, pois são encontrados entre aqueles mesmos que lhe fazem oposição. Na maioria, a oposição vem da falsa idéia que fazem do Espiritismo; não o conhecendo, em geral, senão pelos quadros ridículos que dele faz a crítica malevolente ou interessada em desacreditá-lo, recusam com razão a qualidade de espíritas. Certamente, se o Espiritismo se assemelhasse aos retratos grotescos que dele fizeram, se se constituísse das crenças e práticas absurdas que houveram por bem lhe atribuir, seríamos o primeiro a repudiar o título de espírita. Quando, pois, essas mesmas pessoas souberem que a Doutrina não é senão a coordenação e o desenvolvimento de suas próprias aspirações e de seus pensamentos íntimos, aceitá-la-ão; esses são, incontestavelmente,futuros espíritas, mas, por enquanto, não os consideramos em nossas avaliações.

Se é impossível uma estatística, outra há, talvez mais instrutiva e para a qual existem elementos que nos fornecem as nossas relações e a nossa correspondência: é a proporção relativa dos espíritas segundo as profissões, as posições sociais, as nacionalidades, as crenças religiosas, etc., levando em conta que certas profissões, como os oficiais ministeriais, por exemplo, são em número limitado, ao passo que outras, como os industriais e os capitalistas são em número indefinido. Guardadas todas as proporções, pode-se ver quais são as categorias nas quais o Espiritismo encontrou, até hoje, mais aderentes. Em algumas, a proporção pôde ser estabelecida em percentagem, com precisão,sem contudo pretender que tenham um rigor matemático; as outras categorias simplesmente foram classificadas em razão do número de adeptos que apresentaram, começando pelas de maior número, de que a correspondência e a lista de assinantes da Revista podem fornecer elementos. O quadro a seguir é resultado do levantamento de mais de dez mil observações.

Constatamos o fato, sem procurar discutir a causa dessa diferença, o que, não obstante, poderia ser assunto para um estudo interessante.

PROPORÇÃO RELATIVA DOS ESPÍRITAS

I. Em relação às nacionalidades. – A bem dizer, não existe nenhum país civilizado da Europa e da América onde não haja espíritas. Eles são mais numerosos nos Estados Unidos da América do Norte. Seu número aí é avaliado, por uns, em quatro milhões, o que já é muito, e por outros em dez milhões. Esta última cifra evidentemente é exagerada, porque compreenderia mais de um terço da população, o que não é provável. Na Europa, a cifra pode ser avaliada em um milhão, na qual a França figura com seiscentos mil. Pode-se estimar o número de espíritas no mundo inteiro em seis ou sete milhões. Ainda que não passasse da metade, a História não oferece nenhum exemplo de uma doutrina que, em menos de quinze anos, tivesse reunido semelhante número de adeptos disseminados por toda a superfície do globo. Se aí incluíssemos os espíritas inconscientes, isto é, os que só o são por intuição, e mais tarde se tornarão espíritas de fato, só na França poder-se-iam contar vários milhões.

Do ponto de vista da difusão das idéias espíritas, e da facilidade com que são aceitas, os principais Estados da Europa podem ser classificados como se segue:

1o França. – 2o Itália. – 3o Espanha. – 4o Rússia. – 5o Alemanha. – 6o Bélgica. – 7o Inglaterra. – 8o Suécia e Dinamarca.
– 9o Grécia. – 10o Suíça.

II. Em relação ao sexo. – 70% de homens e 30% de mulheres.

III. Em relação à idade. – Máximo: de 30 a 70 anos;média: de 20 a 30 anos; mínimo: de 70 a 80 anos.

IV. Em relação à instrução. – O grau de instrução é muito fácil de apreciar pela correspondência. Instrução cuidada: 30%; – simples letrados: 30%; – instrução superior: 20%; – semiletrados: 10%; – analfabetos: 6%; – sábios oficiais: 4%.

V. Em relação às idéias religiosas. – Católicos romanos,livres-pensadores, não ligados ao dogma: 50%; – católicos gregos: 15%; – judeus: 10%; – protestantes liberais: 10%; – católicos ligados aos dogmas: 10%; – protestantes ortodoxos: 3%; –
muçulmanos: 2%.

VI. Em relação à fortuna. – Mediocridade: 60%; – fortunas médias: 20%; – indigência: 15%; – grandes fortunas: 5%.

VII. Em relação ao estado moral, abstração feita da fortuna. – Aflitos: 60%; – sem inquietude: 30%; – felizes do mundo: 10%; – sensualistas: 0%.

VIII. Em relação à classe social. – Sem poder estabelecer nenhuma proporção nesta categoria, é notório que o Espiritismo conta entre seus aderentes: vários soberanos e príncipes reinantes;membros de famílias soberanas e um grande número de personagens tituladas.

Em geral, é nas classes médias que o Espiritismo conta mais adeptos; na Rússia é mais ou menos exclusivamente na nobreza e na alta aristocracia; é na França que mais se propagou na pequena burguesia e na classe operária.

IX. Estado militar, segundo o grau. – 1o Tenentes e subtenentes; 2o Suboficiais; 3o Capitães; 4o Coronéis; 5o Médicos e cirurgiões; 6o Generais; 7o Guardas municipais; 8o Soldados da guarda; 9o Soldados de linha.

Observação – Os tenentes e subtenentes espíritas estão quase todos na ativa; entre os capitães, cerca de metade estão na ativa e a outra metade na reserva; os coronéis, médicos, cirurgiões e generais, em maioria estão na reserva.

X. Marinha. – 1o Marinha de Guerra; 2o Marinha Mercante.

XI. Profissões liberais e funções diversas. – Nós os agrupamos em dez categorias, classificadas segundo a proporção dos aderentes que forneceram ao Espiritismo:

1o – Médicos homeopatas. – Magnetistas.1

2o – Engenheiros. – Institutores; diretores e diretoras de internatos. – Professores livres.

3o – Cônsules. – Sacerdotes católicos.

4o – Pequenos empregados. – Músicos. – Artistas líricos. – Artistas dramáticos.

5o – Meirinhos. – Comissários de polícia.

6o – Médicos alopatas. – Homens de letras. – Estudantes.

7o – Magistrados. – Altos funcionários. – Professores oficiais e de liceus. – Pastores protestantes.

8o – Jornalistas. – Pintores. – Arquitetos. – Cirurgiões.

9o – Notários. – Advogados. – Agentes de negócios.

10o – Agentes de câmbio. – Banqueiros.

XII. Profissões industriais, manuais e comerciais, igualmente grupadas em dez categorias:

1o – Alfaiates. – Costureiras.

2o – Mecânicos. – Empregados de estradas de ferro.

1 A palavra magnetizador desperta uma idéia de ação; a de magnetista umaidéia de adesão. O magnetizador é o que exerce por profissão ou outracoisa. Pode-se ser magnetista sem ser magnetizador. Dir-se-á: um magnetizador experimentado e um magnetista convicto.

3o – Tecelões. – Pequenos negociantes. – Porteiros.

4o – Farmacêuticos. – Fotógrafos. – Relojoeiros. – Caixeiros-viajantes.

5o – Lavradores. – Sapateiros.

6o – Padeiros. – Açougueiros. – Salsicheiros.

7o – Marceneiros. – Tipógrafos.

8o – Grandes industriais e chefes de estabelecimentos.

9o – Livreiros. – Impressores.

10o – Pintores de casas. – Pedreiros. – Serralheiros. – Merceeiros. – Domésticos.

Desta lista, resultam as seguintes conseqüências:

1o – Que há espíritas em todos os graus da escala social;

2o – Que há mais homens do que mulheres espíritas. É certo que nas famílias divididas por suas crenças, no tocante ao Espiritismo, há mais maridos contrariados pela oposição de suas esposas do que mulheres pela dos maridos. Não é menos constante que, em todas as reuniões espíritas, os homens estejam em maioria.

É, pois, injustamente que a crítica pretendeu que a Doutrina é recrutada principalmente entre as mulheres, em virtude de sua inclinação para o maravilhoso. É precisamente o contrário: essa inclinação para o maravilhoso e para o misticismo em geral as torna mais refratárias que os homens; essa predisposição faz que aceitem mais facilmente a fé cega, que dispensa qualquer exame, ao passo que o Espiritismo, não admitindo senão a fé raciocinada,exige reflexão e dedução filosófica para ser bem compreendido, para o que a educação estreita dada às mulheres torna-as menos aptas que os homens. As que sacodem o jugo imposto à sua razão e ao seu desenvolvimento intelectual, muitas vezes caem no excesso contrário; tornam-se o que chamam de mulheres fortes e sua incredulidade mais tenaz;

3o – Que a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas, e não entre os ignorantes. Por toda parte o Espiritismo se propagou de alto a baixo da escala social, e em parte alguma se desenvolveu primeiro nas camadas inferiores;4o – Que a aflição e a infelicidade predispõem às crenças espíritas, em conseqüência das consolações que proporcionam. É a razão pela qual, na maioria das categorias, a proporção dos espíritas está na razão da inferioridade hierárquica,porque é aí que há mais privações e sofrimentos, ao passo que os titulares das posições superiores em geral pertencem à classe dos satisfeitos, à exceção do estado militar, onde os simples soldados figuram em último lugar;
5o – Que o Espiritismo encontra mais fácil acesso entre os incrédulos em matéria religiosa do que entre os que têm uma fé irrevogável;

6o – Enfim, que depois dos fanáticos, os mais refratários às idéias espíritas são os sensualistas e as pessoas cujos únicos pensamentos estão concentrados nas posses e nos prazeres materiais, seja qual for a classe a que pertençam, o que independe do grau de instrução.

Em resumo, o Espiritismo é acolhido como um benefício pelos que ele ajuda a suportar o fardo da vida, e é repelido ou desdenhado por aqueles a quem prejudicaria no gozo da vida.
Partindo deste princípio, facilmente se explicam o lugar que ocupam, nesse quadro, certas categorias de indivíduos, a despeito das luzes que são uma condição de sua posição social. Pelo caráter,gostos, hábitos e gênero de vida das pessoas, pode-se julgar do avanço de sua aptidão para assimilar as idéias espíritas. Em alguns,a resistência é uma questão de amor-próprio, que segue quase sempre o grau do saber; quando esse saber os faz conquistar uma certa posição social, que os põe em evidência, não querem admitir que se podiam ter enganado e que outros possam ter visto melhor. Oferecer provas a certas pessoas é oferecer-lhes o que mais temem; e, com medo de achá-las, tapam os olhos e os ouvidos, preferindo negar a priori e se abrigarem atrás de sua infalibilidade, de que estão muito convencidas, digam o que disserem.

Explica-se menos facilmente a causa da posição que ocupam, nesta classificação, certas profissões industriais. Pergunta-se, por exemplo, por que os alfaiates aí ocupam a primeira posição, enquanto a livraria e a imprensa, profissões bem mais intelectuais, estão quase na última. É um fato constatado há muito tempo e do qual ainda não nos demos conta.

Se, no levantamento acima, em vez de não abranger senão os espíritas de fato, tivessem considerado os espíritas inconscientes, aqueles nos quais essas idéias estão em estado de intuição e que fazem Espiritismo sem o saber, certamente várias categorias teriam sido classificadas de modo diverso; por exemplo,os literatos, os poetas, os artistas, numa palavra, todos os homens de imaginação e de inspiração, os crentes de todos os cultos estariam, sem sombra de dúvida, no primeiro lugar. Certos povos, nos quais as crenças espíritas de certo modo são inatas, também ocupariam outra posição. Eis por que essa classificação não poderia ser absoluta, e se modificará com o tempo.

Os médicos homeopatas estão à frente das profissões  liberais porque, com efeito é a que, guardadas as devidas proporções, conta em suas fileiras maior número de adeptos do Espiritismo; em cem médicos espíritas, há pelo menos oitenta homeopatas. Isto se deve a que o princípio mesmo de sua medicação os conduz ao espiritualismo; por isso os materialistas são muito raros entre eles, se é que os há, ao passo que são numerosos entre os alopatas. Melhor que estes últimos, compreenderam o Espiritismo, porque encontraram nas propriedades fisiológicas do perispírito, unido ao princípio material e ao princípio espiritual, a razão de ser de seu sistema. Pelo mesmo motivo, os espíritas puderam, melhor que os outros, compreender os efeitos desse modo de tratamento. Sem ser exclusivos a respeito da homeopatia, e sem rejeitar a alopatia, compreenderam a sua racionalidade e a sustentaram contra ataques injustos. Os homeopatas, achando novos defensores nos espíritas, não foram inábeis a ponto de lhes atirar a pedra.

Se os magnetistas figuram na primeira linha, logo após os homeopatas, malgrado a oposição persistente e muitas vezes acerba de alguns, é que os oponentes não formam senão pequeníssima minoria ao lado da massa dos que são, pode-se dizer, espíritas por intuição. O magnetismo e o Espiritismo são, com efeito, duas ciências gêmeas, que se completam e explicam uma pela outra, e das duas, a que não quer imobilizar-se não pode chegar ao seu complemento sem se apoiar na sua congênere; isoladas uma da outra, detêm-se num impasse; são reciprocamente como a Física e a Química, a Anatomia e a Fisiologia. A maioria dos magnetistas compreende de tal modo por intuição a relação íntima que deve existir entre as duas coisas, que geralmente se prevalecem de seus conhecimentos em magnetismo, como meio de introdução junto aos espíritas.

Em todos os tempos os magnetistas foram divididos em dois campos: os espiritualistas e os fluidistas. Estes últimos, muito menos numerosos, pelo menos fazendo abstração do princípio espiritual, quando não o negam absolutamente, referindo tudo à ação do fluido material, estão, por conseguinte, em oposição de princípios com os espíritas. Ora, é de notar que, se nem todos os magnetistas são espíritas, todos os espíritas, sem exceção, admitem o magnetismo. Em todas as circunstâncias, fizerem-se seus defensores e sustentáculos. Deviam ter-se admirado de encontrar adversários mais ou menos malévolos nos mesmos cujas fileiras acabavam de reforçar; que, depois de terem sido, durante mais de meio século, vítimas de ataques, de zombarias e de perseguições de toda sorte, por sua vez atirem a pedra, os sarcasmos e muitas vezes a injúria aos auxiliares que lhes chegam e começam a pesar na balança pelo seu número.

Aliás, como dissemos, esta oposição está longe de ser geral; muito ao contrário. Pode-se afirmar, sem se afastar da verdade, que não chega a 2 ou 3% da totalidade dos magnetistas;ela é muito menor ainda entre os da província e do estrangeiro do que entre os de Paris.
R.E. , janeiro de 1869, p. 19